COMO CONHECER A ATUAÇÃO DO INIMIGO

O dom espiritual de discernimento de espíritos é um dos protetores da Igreja contra o engano e o fingimento pelo poder demoníaco (como a jovem em Filipos – At 16); ou pela hipocrisia (como Ananias e Safira – At 5); ou por ambos (como Simão, o mágico – At 8).

 

Visto que Satanás não deixou de ser o pai da mentira nem desenvolveu afinidade pela verdade (Jo 8.44), antes, continua aqui e ali travestindo-se como anjo de luz e até movendo seus emissários, como os feiticeiros do faraó, na realização de coisas miraculosas; e visto que os homens ignorantes e desviados da verdade continuam indo “de mal a pior” (2Tm 3.13), sempre inventando meios esdrúxulos de ganharem fama, poder e dinheiro, muitas vezes até mesmo manipulando e torcendo as Escrituras e simulando o poder do Espírito, logo, o dom de discernimento de espíritos continua tão necessário a nós, os que queremos andar na verdade quanto foi nos primórdios da Igreja!

  1. A adivinhadora de Filipos

 Uma jovem escrava de satanás

O texto bíblico diz que em Filipos, no caminho que já se tornara comum para o círculo de oração à beira do rio (onde Lídia havia se convertido ao Senhor), Paulo e seus companheiros de viagem (ao menos Silas, Timóteo e Lucas estavam com ele) se depararam com “uma jovem que tinha espírito de adivinhação” (At 16.16).

Aquela jovem tinha “senhores” de quem era escrava e a quem rendia muitos lucros com sua prática de adivinhação; mas havia outro “senhor” ainda pior, escravizando-a, espiritualmente: Satanás, inimigo de todo bem.

A expressão “espírito de adivinhação” traduz-se literalmente por “um espírito de Pitão, a serpente monstruosa, de cem cabeças que vomitavam fogo, da mitologia [grega]. O Espírito Santo, ao empregar a palavra nesta narrativa, identificava as manifestações do espírito que possuía esta jovem com as que as profetisas, ou pitonisas, pronunciavam em Delfos, inspirados por Pitão.

 

A origem do uso mitológico das palavras Pitão ou Pitom (gr. phyton), e diz que “o nome pitom (…) veio a indicar adivinhações, ou, por extensão, o demônio profetizador, isto é, alguma espécie de espírito maligno ou deus que pode falar por meio de algum ser humano, a fim de predizer o futuro ou dar informações consideradas importantes” .

 

Isto é suficiente para reafirmamos que sobre aquela moça atuavam mais que truques ou perturbação psicológica, mas verdadeiramente demônios enganadores!

 

  1. A tentação travestida de elogio

O texto bíblico não diz que Paulo foi ao encontro da jovem, tendo-a avistado ou tomado conhecimento dela.

Antes, diz o texto reiteradamente que “nos saiu ao encontro uma jovem” (v. 16) e “esta, seguindo Paulo e a nós…” (v. 17).

Semelhante descrição é feita sobre o endemoniado gadareno, de quem o texto bíblico diz: “lhe saiu logo ao seu encontro [ao encontro de Jesus], dos sepulcros, um homem com espírito imundo…” (Mc 5.2).

É curioso notar como os demônios se antecipam e buscam comparecer diante dos enviados de Deus.

Por que será, já que a presença de um ungido do Senhor constitui-se risco de derrota para os demônios?

Não deveriam sentir-se amedrontados e fugir depressa ao invés de sair ao encontro dos homens de Deus?

Tenho uma tese:

Primeiro, os demônios não sairão a menos que sejam expulsos – são soldados que não se rendem, precisam serem derrotados;

Segundo, os demônios buscarão de todas as formas e com todas as artimanhas, preservar os seus domínios – são obstinados e possessivos;

Terceiro, um dos ardis de Satanás é buscar fazer acordo de paz com os enviados de Deus, garantindo por meios escusos que não será incomodado por eles.

O espírito maligno sabia que uma obra maravilhosa de Deus já havia começado em Filipos, e estava se expandindo da beira do rio para os lares; cedo ou tarde a derrocada do mal seria inevitável.

 

O poder de Jesus aos seus discípulos era para “pisar serpentes e escorpiões e toda a força do inimigo” (Lc 10.17), e breve seria a vez da Pitom ser pisoteada pelo poder de Jesus Cristo através de seus servos.

 

Todavia, astuto como é, o demônio se antecipa, vai à presença dos servos do Senhor e passa a proferir palavras de bajulação: “Estes homens, que nos anunciam o caminho da salvação, são servos do Deus Altíssimo”(At 16.17).

 

Era verdade o que o demônio dizia, porém, enganosa era a sua intenção!

 

O demônio não se manifestou no corpo daquela moça com gritos e contorções, mas com palavras lisonjeiras.

 

Essa adulação tinha interesses diplomáticos: eu não mexo com vocês, então vocês não mexem comigo.

 

Pouco se tem atentado para isso, mas o elogio pode ser também um “dardo inflamado” do maligno, para suscitar em nosso coração a paixão pela soberba e a autogratificação, bem como neutralizar nossa autoridade espiritual contra o erro.

 

O elogio é um teste raro, porém, mais difícil (de vencer) do que a perseguição.

 

De fato, a perseguição logo pode ser identificada como de procedência maligna, devido sua descarada oposição ao evangelho e violência aos evangelistas; todavia, o elogio pode ser aquele traje de satanás, pelo qual ele vem a nós com sapatinho de lã e com presentinho na mão para nos seduzir e enganar.

 

O livro dos Provérbios já nos adverte: “O crisol é para a prata e o forno é para o ouro, mas o que prova o homem são os elogios que recebe” (Pv 27.21).

 

Já parou para pensar que alguns dos elogios que você recebe podem ser tentações do diabo para inchar seu coração, enchê-lo de orgulho, fazê-lo prepotente e desviá-lo da humildade e dependência divina?

 

É conhecida a história de John Bunyan, autor do clássico O Peregrino, que ao descer do púlpito após uma pregação, ouviu uma senhora lhe dizer: “Que esplêndido sermão, reverendo!”, ao que ele respondeu: “Satanás me cochichou a mesma coisa quando eu descia do púlpito”.

 

Instrução contra a busca frenética por elogios:

“A busca de elogios e popularidade extravagante pode ser uma outra intemperança de espírito.

 Todos nós gostamos de ser admirados, e um pouco disso é um maná para a alma faminta e bom para todos nós.

 Mas pode crescer dentro de nós um desejo desordenado de reconhecimento pelos homens, escravizando-nos de tal forma que não queiramos prestar serviço algum, a menos que sejamos adulados e bajulados; incapazes de desincumbirmos bem no ministério específico que Deus nos deu, ou quando incentivados e entusiasmados por uma audiência e por um público entusiasmados.

 Nesse caso, estamos numa escravidão miserável, e seriamente debilitados em nossa utilidade”

 

Peçamos a Deus discernimento, pois nem toda palavra verdadeira dita a nosso respeito provém de um sentimento verdadeiro no coração de quem a profere!

Algumas vezes é apenas fingimento humano, outras vezes, porém, é adulação satânica para neutralizar o poder de Deus em nós e assim acomodar o reino das trevas em nossa volta.

Não deixemos que o vinho dos elogios nos embriague, senão tropeçaremos!

Que em nosso coração haja sempre o temor dos salmistas: “Não a nós Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória…” (Sl 115.1).

  1. Depois de muitos dias

 É curioso notar que Paulo não repreendeu de imediato o espírito maligno que atuava sobre a jovem.

O texto bíblico diz que os elogios sedutores do espírito de adivinhação se prolongaram por “muitos dias” (At 16.18), o que nos faz propor algumas perguntas:

(1) Paulo tinha certeza desde o primeiro momento que se tratava de um espírito maligno, e apesar disso resolveu apenas ignorar?

(2) Paulo por algum momento acreditou tratar-se de um elogio sincero procedente de um coração descrente?

(3) Paulo pensou tratar-se de um elogio sincero procedente de uma escrava convertida?

(4) Paulo tinha dúvidas sobre a procedência daquele elogio e preferiu dar tempo para examinar o discurso e a conduta daquela jovem, a fim de tomar uma decisão correta?

As respostas não podem ser dadas dogmaticamente, mas parece que os questionamentos (1) e (4) são mais pertinentes. Todavia, a verdade que se assimila com esse texto é que nem sempre a operação do engano será discernida e repreendida imediatamente, mesmo mediante a presença de pessoas dotadas com a maior variedade de dons espirituais, como no caso do apóstolo Paulo.

É comum as pessoas cobrarem decisões apressadas do pastor, ou do bispo, ou do líder Ministerial, todavia, às vezes é preciso “dar tempo ao tempo” para que as coisas se revelem com maior clareza.

 

Como as razões da angústia da mulher sunamita estavam inicialmente ocultas ao profeta Eliseu (2Re 4.27), muitas vezes Deus permite que um véu se ponha entre nossa dúvida e a resposta, e as razões disto podem ser as mais diversas.

 

Crentes há que pensam equivocadamente que todo pastor deve ter um olhar de raio-X para ver até pecados ocultos dos membros e aplicar-lhes a devida disciplina. “O pastor não está vendo isso não?”, perguntam os mais insatisfeitos.

 

Outros há que pensam que o pastor deve ter uma decisão sempre pronta debaixo do braço para informar de imediato quem está certo e quem está errado numa determinada contenda.

 

Certamente, ao pastor ou líder que ora e que tem a Palavra de Deus como lâmpada para os seus pés e luz para o seu caminho (Sl 119.105), Deus dará a resposta, mas ela poderá vir somente depois de “muitos dias” como foi a Paulo no caso da jovem pitonisa, ou como foi a Josué no fatídico caso de Acã, que ocultou peças proibidas em sua tenda.

 

Nas palavras do apóstolo Paulo: “Os pecados de alguns são evidentes, mesmo antes de serem submetidos a julgamento; ao passo que os pecados de outros se manifestam posteriormente” (1Tm 5.24, NVI).

 

Desmascarando os ardis de Satanás

 A libertação da jovem adivinhadora

 Após os muitos dias de assédios feitos pela boca da jovem escrava, Paulo de tal modo incomodou-se (o texto grego sugere enfado, como que dizendo: Paulo, cansado de tanta adulação…) e se voltou ao espírito maligno ordenando no nome de Jesus que saísse daquela jovem (v. 18).

Demorou muitos dias para o apóstolo do Senhor dar a palavra de ordem, mas não demorou nenhum dia sequer para o demônio cumpri-la: “na mesma hora, saiu”.

A promessa de Jesus foi: “em meu nome expulsarão demônios” (Mc 16.17), e a promessa agora, reivindicada por um crente santo e fiel, estava cumprida.

O texto não nos informa se aquela moça veio a se converter ou não, até porque a despeito de sua libertação do poder do demônio, ela continuava sendo escrava de seus senhores humanos, que talvez a tenham impedido com ameaças de seguir os cristãos.

Mas o fato é que a porta de salvação estava aberta para ela, e agora ela já não estava mais sobre os domínios de espíritos malignos para a impedirem de entrar por esta porta.

  1. A necessidade do dom de discernir

 Importante alerta: Satanás irá destruir o avivamento mais próspero se esse dom não intervier.

 Algumas vezes o evangelismo dotado sofre terrivelmente pela falta de discernimento nas coisas espirituais.

 

Certamente, os demônios se acomodariam e os apóstolos do Senhor teriam suas forças espirituais diminuídas se não fosse o discernimento espiritual operando ali, clareando os espíritos que operavam nas trevas e habilitando os servos do Senhor a repreendê-los e afugentá-los.

 

Em dias de tanta apatia espiritual e desinteresse pelo estudo das Sagradas Escrituras, além da proliferação do engano, especialmente entre os crentes (veja-se quantos falsos ensinos e quantos falsos profetas existem por aí!),

É doloroso observar quantos estão prontos para abraçar qualquer coisa, bastando que lhes seja apresentada com ardor. Engolem remédios de todo e qualquer charlatão espiritual que tenha suficiente convicção mascarada para parecer sincero. Não sejam crianças no entendimento, mas submetam tudo à prova cuidadosamente, antes de aceita-lo.

 

Peçam ao Espírito Santo que lhes dê o dom de discernimento, de modo que possam conduzir os seus rebanhos para longe das campinas venenosas e leva-los a pastagens seguras. 

 

Somos advertidos a avaliar o que é dito ou feito, pois os servos de Deus não devem aceitar tudo o que ouvem, em especial aquelas palavras que, supostamente, vêm do Senhor, ou que falam de Deus.

 A aceitação sem muito critério das chamadas profecias, e as reivindicações do conhecimento e revelação sem que haja uma verificação adequada, é considerada tolice na Bíblia.

 Entretanto, infelizmente, isso é bastante comum.

 É espantoso como as pessoas são tão ingênuas!

 Constantemente, vemos alguém sendo enganado, às vezes, em pequenas questões, produzindo incontáveis novas seitas e fanatismo.

 E isso muitas vezes levando até mesmo a tragédias e mortes. 

 

  1. Os caminhos para receber o discernimento

Já dissemos que o discernimento pode operar de modo ordinário (pela maturidade) ou de modo extraordinário (pelo dom espiritual).

Explicaremos um pouco mais sobre o modo ordinário do discernimento espiritual, visto que dessa forma todos os cristãos podem investigar a origem das manifestações espirituais em sua volta.

A maturidade cristã, alcançada paulatinamente pela oração constante, pelo estudo regular da Palavra, pela comunhão com Deus e com sua igreja, além de conhecimentos obtidos do cotidiano, é o caminho ordinário, isto é, comum, para que todo crente tenha uma aguçada capacidade de discernimento.

 

É neste sentido que o texto de Hebreus fala: “Mas o alimento sólido é para adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal (Hb 5.14).

 

Em virtude disso é que o Espírito Santo está interessado em nosso desenvolvimento (Fp 2.12), crescimento (Ef 4.15; 2Pe 3.18) e progresso (1Tm 4.15), para que não sejamos mais meninos inconstantes (Ef 4.14), nem tenhamos uma mentalidade infantil que facilmente se deixa enganar (1Co 14.20).

 

Igualmente, a Palavra de Deus, estudada com regularidade e profundidade, é um poderoso auxílio ordinário na tarefa de discernir os espíritos, já que ela é “viva e eficaz, mais penetrante que qualquer espada de dois gumes, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12).

 

Não à toa ela está contada entre os equipamentos da armadura de Deus, como já vimos no estudo de Efésios 6.

 

Em meio às batalhas espirituais desta vida, o cristão que não tiver afinidade com as Escrituras caminhará às cegas e facilmente cairá nas armadilhas dos adversários.

 

Satanás não precisa de muitas astutas ciladas para apanhar e aprisionar um crente ignorante de Bíblia!

 

Por outro lado também, o crente que não examina as Escrituras, deixa de conhecer a vontade de Deus, perde de viver ricas experiências com o Espírito Santo, devido preconceitos e doutrinas de homens nas quais foi acostumado.

 

Crentes sem discernimento espiritual tanto podem abraçar o erro, como largar a verdade; tanto podem cair no poço do engano, como se privar de mergulhar nas águas do Espírito; tanto podem aceitar a oferta do diabo, como rejeitar os dons do Espírito; tanto podem perder, como podem deixar de ganhar!

 

Quantos estão vivendo na periferia da fé, navegando em águas rasas, sofrendo de nanismo espiritual, porque têm seus olhos vendados e sua mente turvada pela ignorância.

Que Deus lhes dê a correta percepção das coisas relacionadas ao mundo espiritual!

Conclusão

 Diletos irmãos, peça ao Senhor que lhe dê visão límpida para que com a qual você veja a verdade e distinga os seus frutos, e graças ao constante exercício das suas faculdades obtenha a capacidade para julgar acuradamente, e, assim, estas preparado para ser um instrumento  do Senhor Jesus nessa terra, em Nome de Jesus!

 

Minha oração pelos meus irmãos de fé é como a de Eliseu por seu moço Geazi: “Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja” (2Re 6.17). Amém!